Ritinha fora abandonada pelos pais, e desde
então vivia na rua, pedindo esmolas, praticando pequenos furtos e algumas vezes
se aventurando à noite, entre mulheres e travestis. O diminutivo em seu nome
não era apenas por ser franzina, mas também por conta da sua idade; ela tinha
apenas 13 anos. O que não impendia, é claro, que alguns homens se interessassem em sair com
ela.
Em uma noite de sexta feira, após muita dificuldade, Ritinha conseguiu um lugar
pra ficar na Rua das Vagabas (a mais movimentada da região). As outras
prostitutas não gostavam de tê-la por ali, pois ela chamava muita atenção por ser
criança, o que lhes tirava clientes e ainda atraía a polícia. Mas logo Ritinha
ficou feliz ao ver um cara dentro de um carro a chamando. Foi até ele, que
disse:
- Quanto?
- Depende.
- De quê – perguntou o homem.
- Do que ocê quer fazer né?
- Eu quero barba, cabelo e bigode.
- Então é
50.
Ritinha entra no carro de JJ (como gosta de ser chamado pela família e
pelos amigos). Seu nome na verdade é João Júlio, e ele é um estudante de
direito; entretanto, detesta o curso e só vai à universidade para que seu pai
não se zangue. Neste dia, tivera uma das aulas mais chatas de sua vida, e por
isso decidiu passar na Rua das Vagabas, em busca de diversão. Enquanto não
chegavam a lugar nenhum, Ritinha ia pensando no que faria com o dinheiro. Ao
terminar o serviço, iria comer aquele sanduíche que vem com todos os tipos de
carne, e amanhã, quando o supermercado abrisse, compraria uma barra de
chocolate, bem grande.
Ao parar o carro, JJ o desliga, manda Ritinha descer e tirar a roupa. Mas ela tem uma surpresa: estão em um matagal. Estava
tão concentrada pensando no que iria comer, que não percebeu para onde o homem dirigia. Ela desce contrariada, e diz:
- Pera aí seu moço. Me leva pra um
quarto.
- Tava pensando que eu ia te levar pra
tomar banho de espuma era?
- Eu quero voltar seu moço. Me leva pra
rua – diz Ritinha.
Nesse momento JJ tem uma crise de riso,
e diz para si, em meio às suas risadas:
- Pensou que ia tomar banho de espuma,
ai que engraçado!
Ritinha tenta voltar para o carro, mas seu cliente a agarra, e quando percebe que ela está chorando, grita:
- Cala a
boca!
Na
volta, JJ a deixa na Rua das Vagabas. Ela, quase sem voz, pede seu dinheiro, e
ele, após dar uma gargalhada, sai arrancando o carro. Ritinha começa então a
chorar, pois além de não receber o dinheiro, está com fome e sente dores pelo corpo; não
iria conseguir sair com outro homem naquela noite. Pensa em ir pedir ao dono da
lanchonete que lhe venda fiado, ele às vezes era até simpático com ela. Mas o carro da polícia para ao seu lado, e alguém pergunta:
- Tá fazendo o que aí mocinha?
- Nada – responde a menina, que por um
instante pensa em contar o que houve para os policiais.
- Então vaza, vaza - diz
o policial que dirigia a viatura.
Ela começa a andar para o lado oposto
da
lanchonete.
Pela manhã,
Ritinha acorda sentindo seu corpo ainda mais dolorido. Mas não podia ficar ali
deitada, daqui a pouco chegaria o dono da loja que ela gosta de dormir em frente,
gritando, dizendo que já disse milhões de vezes que não a queria na frente da sua loja. Todo dia era a
mesma coisa, mas como Ritinha se sentia segura naquele lugar, nem se importava com os gritos do homem. No fundo, ela até achava que
aquele senhor tinha razão: quem quer um pobre sujo na frente do seu negócio, espantando os clientes?
Ela então
levanta, com dificuldade, e decide ir ao hospital – as dores estavam aumentando,
e desse jeito nem para roubar um pão ela tinha forças. Agora também sentia uma
dor no estômago, e muito frio. Ao entrar no Hospital a recepcionista pergunta o
que ela quer, e Ritinha diz que está sentindo muita dor no estômago e
no corpo. A atendente pergunta onde estão os pais dela, e ela responde
que não tem.
- Tem algum documento com você?
- Docu o quê moça?
- Certidão de Nascimento, identidade,
tem?
- Não.
A recepcionista diz que ela espere,
pois verá o que pode fazer para atendê-la.
Já haviam se
passado mais de três horas, e Ritinha continuava ali, esperando. Sente que
precisa se deitar, mas não há lugar nem para sentar. Sai de dentro do hospital
e encontra uns papelões no lixo. Leva-os consigo e se deita em um beco pouco
movimentado, ali perto do Hospital, porque assim podiam ir chamá-la quando
chegasse sua vez. Avisa ao segurança: “Tô ali deitada viu moço?” O segurança dá
de
ombros.
Na manhã
seguinte, uma senhora que passava por aquele beco, atrasada para o trabalho,
tropeçou em Ritinha. “Diabo! Sai do meio”, grita a mulher, que só pensava na desculpa que
iria inventar para seu chefe, aquele brutamonte. Mas Ritinha não sentiu nada, e
nem ouviu ser chamada de diabo. Coisa, inclusive, que ela temia muito.
João Júlio, que
nesta mesma manhã estava chegando em casa, após mais uma noite de diversão, ao
entrar no seu quarto, sente um calafrio. Corre imediatamente para tomar um
banho quente, e em seguida vai se deitar. De repente, alguns homens invadem o
seu quarto, e começam a despi-lo. Ele tenta gritar, mas não consegue,
simplesmente sua voz não sai. O que iriam fazer com ele, pensa JJ, assustado.
Mas ele acorda, suando, arfando, e aliviado. Fora um sonho ruim. Volta então a dormir, mas dá um pulo da cama, ao ouvir alguém abrir a porta do seu quarto.
Ritinha entra, e diz: “Bem-vindo ao inferno”.